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Fábricas de Três Lagoas são inauguradas

Entrevistas | Entrevista | 01.06.2009




Foram 20 anos de espera desde que os primeiros eucaliptos foram plantados. Entre 2006 e o ano passado, mais de 10 mil homens passaram pelas obras e a quantia de US$ 1,8 bilhão foi investida pela Votorantim Celulose e Papel (VCP) e pela International Paper (IP). Objetivo: 1,3 milhão de toneladas de celulose por ano e 200 mil toneladas de papel de imprimir/escrever.

Para contar todos os detalhes desses projetos, inaugurados em Três Lagoas (MS) no primeiro trimestre de 2009, a entrevista deste mês chega em dose dupla, com Francisco Valério, diretor técnico e industrial da VCP, e Luís Cláudio Pereira, gerente-geral da planta de Três Lagoas da IP.

O Papel – Neste momento, em que estágio está o start up da unidade de Três Lagoas das duas empresas?
Francisco Valério – A partida da máquina foi dada em 30 de março, quando pela primeira vez alimentamos o digestor com cavaco. Em abril, o primeiro mês de produção, fabricamos 55 mil toneladas de celulose, que já está viajando para o exterior em direção aos Estados Unidos e à Europa. Até agora, estamos seguindo um bom ritmo de produção, que já chega a 80% da capacidade nominal da planta. Consideramos que a partida foi excelente e todo o processo ocorreu de maneira muito suave, acima de nossas expectativas tanto em quantidade quanto em qualidade. Projetamos a produção para este ano em 730 mil toneladas de celulose, que já está completamente vendida, pois há mais de um ano vínhamos trabalhando com contratos.
Luís Cláudio Pereira – A produção da fábrica de papel começou oficialmente em 12 de fevereiro. Estamos em uma curva de aprendizagem, com aumento de volume e velocidade gradativos. Hoje já estamos perto de 90% da capacidade projetada.

O Papel – Como poderíamos descrever as etapas do processo de implantação das fábricas de celulose e de papel?
Valério – As compras dos equipamentos como linha de fibra e caldeira de recuperação foram feitas em abril 2007. Os geradores já haviam sido adquiridos antes, pois a demanda era alta naquele momento. Ao mesmo tempo fizemos os contratos chamados over the fence, como todas as plantas de produção de dióxido de cloro e oxigênio. Nessa época assinamos um contrato de 90 anos com a International Paper para fornecer celulose, vapor, energia e tratamento de resíduos para sua fábrica de papel, ao lado.
Depois de todas as compras, começamos a trabalhar na parte de infraestrutura, que envolve a montagem e a construção civil. Por fim, tivemos a fase de comissionamento e de check out, na qual fizemos testes com os funcionários da área de Manutenção, tanto da nossa equipe quanto de fornecedores. No check out, pensamos em todos os detalhes, como a parte elétrica, com a realização de simulações. Após essa primeira fase, circulamos água em todo o sistema, para ajustes e limpeza. Na secadora, além de água adicionamos um pouco de celulose, para ajustá-la. Todos esses passos contribuíram para nos dar segurança no dia em que colocamos finalmente cavaco no digestor. Com a madeira entrando no processo, ao todo levamos três dias para que a celulose definitivamente começasse a sair no final do processo. Quando saiu o primeiro fardo de celulose, vibramos muito; todos assinamos as primeiras folhas – operadores e fornecedores –, pois tínhamos passado por todo o processo dentro da máquina.
Pereira – A fábrica foi construída num site praticamente sem nenhuma obra anterior; era greenfield. O primeiro dia em que produzimos papel foi uma festa, claro, pois foram mais de dois anos recrutando pessoas, desenvolvendo o projeto. É como um atleta olímpico que ganha um campeonato, com a diferença de termos uma curva de aprendizado depois da vitória. Primeiro vem a fase de construção, montagem de equipamentos e diversos sistemas. Depois fazemos o comissionamento a seco, verificando, por exemplo, se um motor gira para o lado certo, se a válvula está abrindo... A partir disso, temos condição de passar água em diversos sistemas. Em determinadas partes da máquina usamos já a massa de celulose e alguns aditivos. Em áreas como a de selagem, por exemplo, só percebemos se está sendo gerado vácuo suficiente quando colocamos a trama de massa na seção de formação. Esse “liga-desliga” de equipamentos começou em outubro de 2009, e no final de janeiro começamos a circular celulose, até deixar o equipamento em condições de fazer papel de maneira comercial. A ponta do papel passou no dia 12 de fevereiro, que marcamos como data oficial, pois colocamos massa na tela, abrimos a folha, encostamos o size press e enrolamos papel vendável. Produzimos menos de 100 toneladas offgrade, o que sem dúvida é muito bom, até porque partimos de forma antecipada, pois o início de produção estava planejado para 1º de março. Tudo foi resultado de uma combinação de bons equipamentos, fornecedores competentes e estruturados e uma boa estratégia de formação de profissionais.

O Papel – Qual foi a fase mais crítica da implantação?
Valério – Acredito que os momentos finais do projeto não são de tensão, mas sim de emoção. Todo o cuidado com a concepção de um projeto desse porte é fundamental, já que nosso setor é de capital intensivo e não podemos cometer erros na fase de preparo, pois o que se instala dificilmente pode depois ser corrigido com facilidade e sem grandes perdas. É muito importante dedicar tempo ao planejamento e à análise antes de cada compra.
Pereira – O que acontece são coisas normais de um start up ou processo de comissionamento, fizemos ajustes e não houve nenhuma grande surpresa. O momento de estresse maior – positivo e natural – é aquele em que estamos em condições de enrolar papel no primeiro rolo e verificar se seremos capazes de continuar o processo com mais dois, três rolos consecutivos. Mesmo assim, existem partes que são comissionadas ainda com o processo em andamento, o que é normal em projetos como este.

O Papel – O início de produção das plantas seguiu o cronograma e o orçamento? Como as empresas trabalharam na gestão de um projeto tão grandioso para se manterem dentro dos limites previstos?
Valério – O projeto foi implantado em uma fase na qual vivíamos um crescimento da economia do País e todos os fornecedores estavam com a casa cheia, ou seja, havia mão-de-obra sendo solicitada em todos os Estados. Além disso, pegamos parte de greve na Receita Federal, que passou por uma operação-padrão. Mas tudo foi superado pela dedicação das pessoas, que estavam motivadas por estarem no maior projeto do mundo de celulose single line. Além disso, um aspecto excelente foi a segurança no trabalho: nosso índice de acidentes foi de 0,82 por milhão de homens/hora trabalhada. Nesta obra, tivemos 27 milhões de homens/hora trabalhando, sendo que, no pico da obra, chegamos a 10.500 pessoas. Além disso, o ecodesign da planta facilitou a sequência de montagem e a preservação do meio ambiente. É todo um conjunto de fatores que permite alcançar as metas, além de ter uma equipe bem preparada, motivada e que interage muito bem com os fornecedores.
Pereira – O time desde o início estava muito comprometido, com o suporte da IP dos Estados Unidos. O alinhamento do time é o primeiro passo para o sucesso; depois, seguimos um planejamento diário muito forte, não só com reuniões semanais, mas também seguindo a estrutura do software MS Project, que auxilia o gerenciamento de projeto. Tudo isso engrena cada etapa nas datas previstas e faz correções ou ajustes para tirar qualquer atraso. Na parte técnica da fábrica, houve um planejamento muito forte na logística de recursos humanos; treinamos mais de 200 pessoas, que em alguns momentos estavam aqui ou em outra fábrica da IP no Brasil ou nos Estados Unidos. Tudo o que envolvia pessoas – como ônibus, refeição e salas de treinamentos – foi planejado e acompanhado muito de perto. Além disso, houve grande comprometimento de todo o grupo de engenharia da fábrica, operação e fornecedores de equipamentos.

O Papel – Qual o papel dos fornecedores em um projeto dessa amplitude, tanto na parte de estrutura quanto no comissionamento?
Valério – Desde o início do projeto fizemos, a cada dois meses, uma reunião de alinhamento, quando agrupávamos todas as nossas equipes e fornecedores por um ou dois dias. Cada um apresentava sua situação em detalhes e verificava-se se alguma área estava sendo impactada por outras. Essas reuniões contavam com cerca de 180 pessoas, desde níveis gerenciais altos até técnicos e fornecedores. Além desse controle, fazíamos um ajuste quase diário de todo o projeto. Agora, em junho, faremos a última reunião para tirar todas as lições deste projeto. É fundamental termos esta parceria. Eu até brinco que, quando se compra um equipamento deste porte, a gente casa com aquele fornecedor e não dá para separar mais.
Pereira – Sempre trabalhamos para que a entrega de cada um fosse cumprida dentro da melhor expectativa de qualidade e tempo. Tivemos inúmeras reuniões de necessidades de melhoria e foram sempre discussões profissionais que buscavam o melhor do projeto como um todo, pois nosso sucesso dependia dos fornecedores. É como um casamento também: em alguns dias temos uma discussão mais acalorada, mas sempre com o objetivo comum. Tenho certeza de que tivemos grandes fornecedores e essas empresas também ficaram orgulhosas de trabalhar em um projeto que é referência.

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