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As empresas estão prontas para a retomada pós-crise?

Entrevistas | Entrevista | 01.08.2009




No fim de julho, o presidente da maior potência econômica mundial, os Estados Unidos, declarou que “podemos estar vendo o início do fim da recessão”. De acordo com Barack Obama, a queda livre vivida nos últimos meses foi interrompida, já que o mercado está em alta, o sistema financeiro não se encontra mais à beira do colapso e a taxa de perda de empregos no país já caiu quase pela metade em comparação há seis meses.
Mas será que as empresas brasileiras estão prontas para aproveitar este momento pós-crise? Quem responde é o professor-doutor Fernando Arbache, diretor da Arbache Tecnologia, consultor para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pesquisador do CNPq: “Em sua grande maioria, não, o que está associado diretamente ao baixo investimento em treinamento e inovação. A consciência acerca da necessidade de se investir nessas áreas ainda é extremamente incipiente no Brasil, pois a grande maioria das empresas ainda pensa no resultado financeiro imediato e se foca no curto prazo”.
Arbache, que também é professor da Fundação Getúlio Vargas, do IBMEC, do Alto Comando da Marinha de Guerra Brasileira e do Instituto Militar de Engenharia (IME), faz um balanço das perspectivas de crescimento para o Brasil e fala sobre a importância para a indústria de se investir em inovação. “Com ou sem crise, nada pode mudar  quando o assunto é o investimento no processo produtivo. Cortar esse tipo de investimento é um suicídio para qualquer empresa”, ressalta.

O Papel – Podemos dizer que a crise já chegou ao fim?
Fernando Arbache – As previsões de crescimento divulgadas pelo FMI, de acordo com o estudo “World Economical Outlook Update”, mostram que as principais economias mundiais devem crescer 0,6% em 2010, enquanto economias emergentes ficarão na média de 4,7%. Só a China e a Índia devem crescer, respectivamente, 8,5% e 6,5%. O Brasil tem projeção de crescimento de 2,5%, que é também a  média prevista para o PIB mundial. De acordo com o Ministério da Fazenda brasileiro, o País deve crescer 4,5% em 2010 e 5%% em 2011.

O Papel – E atualmente a situação já está melhorando no Brasil?   
Arbache – Sim. No varejo, o volume de vendas e a receita nominal cresceram respectivamente 4% e 8,9% em maio de 2009 em relação ao mesmo mês de 2008. É fato que hoje o crescimento é sustentado por medidas como a redução de IPI, mas o País deve crescer mesmo após cessadas essas ações. O que podemos observar é que hoje a variabilidade da economia brasileira está muito mais próxima da variabilidade mundial, o que significa um maior amadurecimento da economia.

O Papel – As empresas brasileiras, em geral, estão prontas para a retomada pós-crise?
Arbache – Em sua grande maioria, não, o que está associado diretamente ao baixo investimento em treinamento e inovação. A consciência acerca da necessidade de se investir nessas áreas ainda é extremamente incipiente no Brasil, pois a grande maioria das empresas ainda pensa no resultado financeiro imediato e se foca no curto prazo. Esse tipo de atitude é ainda reflexo da época de grande inflação.
O que podemos perceber de comum após a finalização de cada crise é que a inovação em processos produtivos, o “fazer mais com menos”, está sempre presente nesses períodos − e precisamos estar prontos para isso.

O Papel – Então é possível dizer que historicamente esses períodos foram propícios para a inovação?
Arbache – Sim, após cada crise se tem um crescimento intensivo das economias mundiais. Se levarmos em consideração a história, podemos demonstrar um padrão recorrente em relação à inovação nesses períodos. Em 1910, nas crises monetárias, Henry Ford desenvolveu a linha de produção em série. Em 1920, após a 1ª Guerra Mundial, Afred Sloan, da General Motors, criou as submarcas, dando origem à segmentação, hoje utilizada intensivamente. Em 1931, após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, a Procter&Gamble criou marcas de sabonetes para atender públicos distintos, iniciando o conceito de gerenciamento de marcas. Na 2ª Guerra Mundial, em 1943, a Lockheed Martin criou uma divisão para construir um avião de combate em 143 dias, num processo denominado Skunk Works, que usa grupos de funcionários com grande autonomia de decisão, como o Google faz hoje. Depois, em 1950, a Toyota utilizou o conceito de Henry Ford de produção em série como base para uma produção mais enxuta, criando os conceitos Just-in-Time, Kanban e Kaizen. Em 1973, na crise econômica provocada pela disparada de preços dos combustíveis, a DuPont adotou ferramentas de gestão que buscam ideias em todas as partes envolvidas no processo de produção, do operário ao cliente, o que ficou conhecido como visão 360 graus. A recessão americana ocorrida no início de 1990 levou a novos modelos de gestão, como, por exemplo, o Seis Sigmas (Motorola), o de Terceirização (desenvolvido pela IBM para a Kodak) e o de Reengenharia (elaborado por Michael Hammer e James Champy).

O Papel – Cortar investimentos em inovação em tempos de crise, então, não é uma boa ideia...
Arbache – De maneira alguma. Com ou sem crise, nada pode mudar  quando o assunto é o investimento no processo produtivo. Cortar esse tipo de investimento é um suicídio para qualquer empresa. Aquelas que cortaram seus investimentos em inovação e processos no momento mais forte da crise vão encontrar uma grande barreira quando o País voltar a crescer. Portanto, é preciso antecipar-se e investir intensivamente em inovação e em treinamento, pois, ao proceder dessa forma, obtém-se redução dos custos produtivos, com preços menores para o público, mesmo se tratando de itens inovadores. A consequência é imediata, pois produtos mais baratos tornam-se mais acessíveis ao público, aumentando o consumo, proporcionando crescimento da produção, gerando mais contratações e, por fim, criando um círculo virtuoso de crescimento do mercado.

O Papel – Não é possível investir em treinamento e contratações durante o período de recuperação?
Arbache – Para alcançar uma boa capacidade inovadora, uma empresa que não tem profissionais capacitados demoraria, no mínimo, dois anos para prepará-los. Também poderiam ser contratados profissionais já qualificados, é verdade, mas nesse caso seria necessário ainda adequá-los à cultura da empresa, o que é complexo para um profissional crítico como um pesquisador.

O Papel – Se cortar investimentos em processo e treinamento não é uma opção cabível, quais áreas poderiam sofrer cortes para adequar o orçamento?
Arbache – Com a crise, é preciso repensar todos os processos e fazer um balanceamento da empresa. Isso pode levar, por exemplo, ao corte de alguns produtos que não têm aderência no mercado. Outra ideia é cortar os investimentos na manutenção da marca, algo que não vai dar rentabilidade imediata nem gerar impactos negativos − até porque hoje as pessoas querem produtos e serviços que deem retorno real, sustentável.

O Papel – A propaganda veiculada nas mídias não é mais importante?
Arbache – Com o grande fluxo de informações ao qual somos submetidos diariamente, a propaganda tem perdido cada vez mais força. A tomada de decisão no ponto de venda, assim como o famoso boca-a-boca, vem ganhando espaço e obtendo melhores retornos. Por isso também é tão importante investir na melhoria dos processos para garantir a credibilidade da empresa e de seus produtos e serviços − ou seja, hoje, a forma de vender é outra: o marketing deve se focar na credibilidade real do ponto de venda; distribuição, processo e marketing devem caminhar juntos, compondo o que chamamos de trade marketing.

O Papel – Existe uma porcentagem ideal do faturamento que uma empresa, por exemplo, do setor de celulose e papel deva destinar a investimento em processos?
Arbache – Não existe uma porcentagem ideal; depende de cada empresa. Nas fabricantes de celulose, o investimento em processos já é muito grande. O que falta para essas empresas é investir em treinamento e trabalhar a cultura organizacional. Tal tipo de investimento ainda é muito baixo perante o valor destinado à melhoria de processos. Investindo em treinamento, tem-se como resultado certo o aumento da produtividade e a redução de custos.
 
O Papel – E quanto às empresas de pequeno porte? Elas também devem concentrar seus investimentos em processos e gestão da qualidade?
Arbache – Para as empresas de pequeno porte este investimento em processos e gestão da qualidade é ainda mais importante, já que sofrem diretamente com a concorrência das grandes companhias. É preciso redefinir a estrutura de investimento e acabar com aquela mentalidade do tipo: “Se eu faço isso há 30 anos e sempre deu certo, por que preciso mudar?”. Precisa mudar porque o mundo mudou; é simples.
A eficiência das pequenas empresas depende muito dessa mudança de cultura organizacional  e de seus processos internos, que podem ser melhorados independentemente da tecnologia empregada, por exemplo, reduzindo a burocracia.

O Papel – O sistema de open inovation, que é a inovação colaborativa entre empresas e outras instituições, é uma boa alternativa?
Arbache – Depende. Para as inovações de produtos, esta é, sim, uma boa opção. Afinal, produto todo mundo copia, não adianta tentar deter essa prática. Já quando o assunto é processo e serviços, o sistema de open inovation não seria tão adequado. A inovação pelo processo é o que sustenta, o que garante o diferencial da empresa.  A grande sacada é associar um produto a um processo inovador, algo que a marca Apple consegue fazer muito bem. O produto iPhone todo mundo copia (basta olhar os similares chineses), mas o sistema que só ele acessa, o iTunes, ninguém pode oferecer também.