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O MERCADO REGULADO DE CARBONO NO BRASIL

Artigos Assinados | Artigo | 23.06.2022




O MERCADO REGULADO DE CARBONO NO BRASIL


EMBAIXADOR JOSÉ CARLOS DA FONSECA JR.
Diretor executivo da IBÁ, com assento no Comitê Diretor do The Forests Dialogue (TFD), no Advisory Committee on Sustainable Forest-based Industries (ACSFI), da FAO, e Cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Os últimos movimentos do Brasil aprofundaram o necessário, e quase atrasado, debate sobre o mercado regulado nacional de créditos de carbono. Sem medo de errar, o País, que tem potencial para liderar esta agenda, já estava ficando para trás nesta corrida em que a vitória é a limitação do aumento da temperatura terrestre. Há mais de uma década, o Brasil vem arrastando esta discussão, o que, infelizmente, retardou também qualquer decisão e implantação de um modelo de precificação regulado. A Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída em 2009, já previa em seu texto diretrizes para uma economia de baixo carbono, na qual o mercado regulado se mostrava como uma das saídas. No entanto, o Brasil ficou de fora do PMI, iniciativa do Banco Mundial para implementação do mercado nos países interessados. À época, a instituição internacional foi taxativa ao afirmar que “foram selecionados os países que estavam mais avançados”. Um choque de realidade. No último mês de maio, contudo, o Governo Brasileiro enfim deu passo concreto rumo a um futuro inescapável. A IBÁ estava  presente no Jardim Botânico, Rio de Janeiro, quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou o Decreto 11.075 que, segundo as autoridades, marcou a criação do mercado regulado de créditos de carbono no Brasil. Não se pode ignorar a  relevância  de iniciativa, uma vez que finalmente poderemos começar a recuperar parte do tempo que fora perdido. Mas é importante analisar com equilíbrio os eixos propostos pelo texto. Diferentemente do modelo mais corrente em outros países e regiões, o sistema apontado como caminho a ser seguido não se baseia no chamado cap and trade, quando o governo estabelece uma linha-base de emissões de CO2. Aqui, o MMA espera que os segmentos diversos da economia definam suas propostas de metas setorialmente. Se, por um lado, como afirmam representantes do poder público, isto significa maior abertura ao diálogo ao invés de uma imposição, é importante observar que a iniciativa privada terá o desafio fundamental de cotejar seus próprios interesses com as exigências de efetiva redução da pegada de carbono, em respeito ao clima do planeta e aos anseios dos consumidores. Não se trata só de cifras, mas de mitigar as mudanças climáticas. Ao governo caberá a tarefa árdua de negociar com cada um dos setores e gerenciar possíveis conflitos entre interesses próprios versus a realidade mais ampla do futuro sustentável. Outra dimensão presente no Decreto que merece atenção é a criação da plataforma para registro de  créditos  de emissões de GEE  chamada Sistema Nacional de Emissão de Gases de Efeito Estufa (Sinare). Fundamental ter olhar crítico e atento a este ponto,  eis que transparência  e integridade são elementos centrais para que um projeto desta magnitude avance de fato. Para além dessas discussões e debates, persiste a necessidade de que uma legislação sobre o tema defina regras e regulamente o mercado de créditos de carbono. Isto é imprescindível para dar segurança jurídica e para que tal engrenagem funcione. Nessa matéria, a verdade é que o País precisa ficar mais contemporâneo das melhores práticas. A União Europeia, países como a Colômbia, Estados sub-regionais, como a Califórnia, são alguns dos exemplos de mercados de carbono já em pleno funcionamento. Passamos da hora, mas ainda não perdemos a oportunidade. É fundamental termos agilidade para que a precificação de carbono não fique, mais uma vez, no plano das boas intenções. O setor de árvores cultivadas, por meio da IBÁ e de suas associadas, está pronto para ser cooperativo. Felizmente o modus operandi das companhias em nosso setor há anos já posiciona esta agroindústria como aliada das melhores práticas sustentáveis. O diálogo, que sempre pautou nossas ações, segue aberto para trabalhar em prol do setor e do País.  Fato é que não há descarbonização possível sem o Brasil. E para haver um país colaborativo na questão climática temos uma rota bastante clara a ser percorrida: combater com energia as criminalidades ambientais e ir além do comando e controle, valorizando toda a dimensão socioambiental. Mercado regulado de carbono é um dos caminhos, do mesmo modo que pagamento por serviços ambientais como água, solo e biodiversidade. Está nas mãos desta nação com ricos ativos ambientais a escolha entre ser o País do desenvolvimento verde ou se vamos continuar ostentando o título de “País do futuro”, sem fazer com que o potencial vire oportunidade para o Brasil e para os brasileiros. 