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As fortalezas do setor

Reportagem Especial | Reportagem Especial | 20.01.2011




Entre altos e baixos da economia mundial, a indústria brasileira de celulose e papel atravessou seu período mais desafiador no ano passado e retomou em 2010 as atividades do ponto em que parou. Com níveis de endividamento baixados, o setor neste ano seguiu rumo aos investimentos para se manter competitivo.
A sustentabilidade, em todos os seus pontos, será o horizonte do futuro do negócio de celulose e papel. Para chegar ao destino sustentável, o setor irá trilhar um caminho repleto de fatores estratégicos que conjugam o poder das florestas plantadas, o aparato tecnológico necessário para aperfeiçoar a produção e também tendências da incorporação de tecnologias. Nesta lista, estão as possibilidades da biorrefinaria e o fortalecimento da biomassa como fonte de energia.
O ponto máximo da agenda setorial evolutiva nesse sentido foi a representação da indústria de celulose e papel pela Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa) na 16.ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP16). A ABTCP também participou de projetos apresentados durante o evento, realizado em Cancún, no México, onde líderes de diversos países conseguiram importantes avanços no combate do efeito estufa.
Representantes da indústria de celulose e papel aproveitaram o encontro para ressaltar a significativa contribuição que o setor oferece à manutenção das condições climáticas. Estima-se que, no Brasil, as florestas para fins industriais absorvam 1 bilhão de toneladas de CO2 por ano. Os créditos de carbono gerados por essas florestas, no entanto, não são reconhecidos pelo Protocolo de Kyoto.
Isso levou a Bracelpa a colocar em pauta a inclusão das florestas plantadas como potenciais geradoras de investimentos na economia de baixo carbono. “A base florestal das empresas de celulose e papel, na maioria dos casos, é muito maior do que as emissões de carbono. O que falta é mostrar à sociedade e ao governo esse balanço”, frisa Marcelo Rocha, diretor da consultoria em sustentabilidade Fábrica Éthica Brasil.
A negociação mais globalizada para considerar a inclusão dos ativos florestais no Protocolo de Kyoto facilitaria a conquista do setor como um todo perante os governos. De acordo com a executiva da Bracelpa, o Brasil e outras nações que são referência no manejo sustentável de florestas plantadas, como África do Sul, Argentina, Chile e Espanha, poderiam se unir nessa busca.
A força para chegar à conquista foi promovida, entre outras ações, pela ABTCP em parceria com a Fábrica Éthica, pelo lançamento do primeiro Inventário Setorial de Carbono. O mapeamento da pegada de carbono de todo o setor promete ser uma ferramenta de grande utilidade como base da estruturação do mercado de crédito de carbono, conforme Rocha.
A Fibria, uma das empresas que colaboraram com a produção do documento, acredita na disseminação da cultura dos inventários de carbono. “É uma forma de mostrar a transparência de nossas atividades industriais”, frisa Vinícius Suassuna, analista de Gestão Ambiental da companhia. O executivo observa, no entanto, que o principal objetivo da padronização de modelos de inventário de carbono pelo Sistema ABTCP–Fábrica Éthica será eliminar as disparidades no cálculo da quantificação das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) pelo setor.
Os resultados preliminares do inventário, apresentados durante o ABTCP –Tappi 2010, em outubro último, demonstram as vantagens da uniformização de dados das indústrias de celulose e papel. O trabalho, portanto, terá continuidade em 2011. “A partir deste primeiro levantamento, a ABTCP incentivará empresas que ainda não produzem seus inventários a reportarem suas emissões. No caso daquelas que já adotam a medida, o incentivo será voltado à inclusão de mais fontes de emissões em seus relatórios, atendendo a um mesmo padrão de protocolo de GEE”, observa Rocha sobre os próximos passos.
Com o Inventário Setorial de Carbono unificado, as negociações sobre as metas propostas na regulamentação da Política Nacional sobre Mudanças do Clima serão facilitadas. “As características das práticas industriais do setor, demonstradas no documento, nos levam a crer que as metas não serão tão rígidas”, acredita Suassuna, considerando as práticas atuais do setor.
Como, porém, a crise econômica mundial teve impacto na produtividade das empresas, as reais necessidades de controle das emissões de carbono só ficarão claras com a recuperação da crise. “O setor de celulose e papel tem excelentes chances de entrar no mercado de créditos de carbono”, prospecta Rocha.

COMPETITIVIDADE FORTALECIDA
Os meios de tornar o setor mais competitivo não se limitam ao papel das florestas plantadas na mitigação dos gases de efeito estufa e na estratégia de quantificar e divulgar tal atuação benéfica. Avanços tecnológicos em diversas etapas da produção de celulose e papel se sobressaem e conferem a eficiência energética vista nos últimos anos – mais um forte fator a contribuir com o meio ambiente.
A redução do consumo de energia elétrica por tonelada bruta de papel da Celulose Irani ilustra a evolução do setor neste quesito. A fábrica, que consumia 1,30 MWh em 1995, passou a 0,85 MWh em 2009. “No final do ano passado, a Irani substituiu a fabricação de pasta químico-mecânica, que consumia muita energia, pelas fibras recicladas”, justifica Péricles Druck, diretor superintendente da empresa.
Ainda abordando o processo de redução do desperdício de energia nas etapas operacionais, a Irani investiu em equipamentos mais eficientes, tanto na produção de celulose quanto na de papel. Druck revela que, entre 2007 e 2008, R$ 160 milhões foram investidos em eficiência energética. De 2009 para cá, acompanhando a curva dos investimentos anteriores, mais R$ 40 milhões foram aplicados. “A evolução do setor, em termos de eficiência energética, é uma preocupação constante. Sempre buscamos melhorias”, afirma.
Mauro Berni, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp, reforça que a indústria de celulose e papel ainda tem um forte potencial energético a ser desenvolvido, reunindo características técnicas, econômicas e comerciais. “O potencial técnico corresponde às tecnologias de ponta, as quais já são bem desenvolvidas; o econômico diz respeito ao capital disponível para o emprego das inovações tecnológicas, e o comercial avalia se as mudanças são vantajosas ao mercado atual”, cita Berni.
Na opinião do pesquisador da Unicamp, para aproveitar este diferencial e chegar a um processo produtivo ainda mais competitivo, os programas de eficiência energética devem entrar em cena. A falta de incentivo público, porém, representa entraves. No cenário brasileiro, os subsídios desses programas vêm de uma única fonte: o caixa das empresas. “Todos os avanços em termos de eficiência energética foram feitos por conta dos representantes do setor”, analisa Berni sobre o contexto dos últimos anos.
Berni enfatiza que o apoio governamental poderia contribuir de diferentes formas, a exemplo da redução de IPI, que fortaleceu a indústria automobilística durante a última crise financeira mundial. No Canadá, cita o pesquisador, o governo paga para usar o licor negro como fonte de energia – “ou seja, fomenta o uso de um subproduto da indústria de celulose e papel. Aqui, o licor negro também gera energia, mas poderia ser mais bem explorado”, compara.
Sem apoio público, inúmeros desperdícios cercam os parques fabris. “Não basta gerar energia nas plantas de celulose e integradas; é preciso disponibilizá-la na rede. O setor necessita de um marco regulatório que possibilite a troca de energia entre duas fábricas”, exemplifica Berni.
A fim de identificar outros mecanismos capazes de eliminar as barreiras dos programas de eficiência energética, neste ano a ABTCP organizou o Relatório de Eficiência Energética do Setor de Celulose e Papel em parceria com a CNI e a MCPAR Engenharia. Na prática, foram feitas simulações de programas baseadas em documentos já existentes do setor, com o objetivo de evidenciar os ganhos que o apoio público geraria ao setor e ao País.
O cruzamento que o relatório faz com as projeções do chamado “custo Brasil” mostra a necessidade de forte intervenção do governo federal para a manutenção da competitividade da indústria de celulose e papel. Considerando incentivos fiscais e financeiros apropriados, as soluções encontradas correspondem a aumento nos prazos de carência dos empréstimos para investimentos e alteração dos prazos legais estabelecidos para a depreciação de máquinas e equipamentos de dez anos para seis anos.
“Com o apoio da Bracelpa, a intenção é divulgar estas propostas ao governo, evidenciando os ganhos mútuos”, informa Berni, que participou da produção do documento. O momento para discutir estas melhorias é bastante propício. No início de dezembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) disponibilizou para consulta pública a minuta do Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf) – Premissas e Diretrizes Básicas na Elaboração do Plano.
O documento traz premissas e diretrizes básicas para elaboração dos trabalhos de eficiência energética. “Estamos abertos para receber contribuições dos vários setores industriais. A intenção é trabalhar com práticas já existentes, que tenham um encaminhamento adiantado e de menor custo. Certamente, a indústria de celulose e papel tem muito potencial em termos de cogeração de energia”, diz Hamilton Moss, diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do MME.
De fato, o potencial energético da indústria de celulose e papel desponta entre os demais segmentos industriais. Entre os aprimoramentos mais recentes que respondem pelos significativos ganhos de eficiência energética, a caldeira de recuperação química se destaca. De acordo com o Relatório de Eficiência Energética do Setor, desde o ano 2000 dez caldeiras foram construídas ou reformadas no Brasil. Dados de 2007 apontam que os equipamentos atuais têm capacidade em torno de 1.600 tss/dia e idade média de 17 anos.
Novas técnicas poupadoras de energia também são citadas como relevantes ao desenvolvimento do processo produtivo, entre as quais limpeza da madeira antes dos picadores, recuperação de calor nos digestores e elevação da concentração de licor negro.
Quando, entretanto, o foco da competitividade se volta ao mercado externo, o setor visualiza muito trabalho pela frente. As tecnologias até então empregadas no País precisam ceder espaço às emergentes. “É preciso acompanhar as mudanças tecnológicas em vez de esperar as máquinas, especialmente de papel, ficarem ultrapassadas”, enfatiza Berni. “Há mercado para essas implementações. O que falta, ainda, é incentivo.” Evaporadores de múltiplo estágio, prensa de sapatas e capotas de máquinas de papel com sistema de insuflamento e exaustão representam os principais equipamentos promissores à indústria brasileira.
Partindo para o âmbito das pesquisas que prometem novidades nos processos industriais, o foco gira em torno do conceito de biorrefinaria, incluindo rotas termoquímicas e bioquímicas de utilização da biomassa florestal. A gaseificação da biomassa florestal e até mesmo do licor negro kraft permite a utilização mais eficiente da fonte de energia, indo ao encontro do desenvolvimento sustentável.
Segundo Jorge Luiz Colodette, professor da Universidade Federal de Viçosa, a tecnologia ainda está no começo da trilha da escala comercial. “Com a tecnologia atual de recuperação química, as plantas mais modernas de celulose podem gerar de 30% a 35% de excedente de energia elétrica à rede. Se partissem para a gaseificação, esse valor aumentaria. Porém, a queima direta da biomassa para gerar energia elétrica ainda é uma alternativa pouco lucrativa”, explica.
Os comentados conceitos de biorrefinaria também pregam o uso mais eficiente dos recursos naturais. Conforme Colodette, os estudos atuais buscam alternativas para desconstruir a biomassa e separá-la em seus componentes principais: celulose, hemiceluloses e lignina. Da celulose, busca-se extrair o etanol celulósico e outros produtos, como os nanocristais de celulose microfibrilada (MFC), que apresentam inúmeras possibilidades de aplicações. O potencial das hemiceluloses está voltado a produtos de maior valor agregado, como hidrogéis para a indústria farmacêutica e polímeros. Embora o caminho seja promissor, não deixa de ser longo. “Os rendimentos de produção, tanto do bioetanol quanto dos produtos especiais a partir da celulose e das hemiceluloses, ainda é muito baixo.Tal fator aumenta a necessidade de o valor agregado ser alto, para que os produtos sejam vantajosos comercialmente”, conta ele, citando um dos empecilhos.
Fonte de fenóis, a lignina oferece uma gama maior de desenvolvimento de produtos. De acordo com o professor, valorizar a lignina excedente das caldeiras de recuperação é um desejo antigo da indústria papeleira. Por isso, os estudos na área estão mais avançados. No entanto, assim como acontece com os cristais de celulose, os hidrogéis e o bioetanol, o desafio é obter lignina em grandes quantidades. Avaliando todo este cenário, Colodette acredita que a biorrefinaria da lignina seja mais simples do que a da celulose e das hemiceluloses.
Contudo, o professor da Universidade de Viçosa não descarta as perspectivas positivas para a biorrefinaria. “O biomaterial certamente gera muito interesse de mercado e, quanto maior a diversidade de produtos que saem da fábrica, mais competitivo o setor se torna.” Colodette destaca que, atualmente, existem várias plantas pilotos no mundo praticando o conceito da biorefinaria. Na opinião do professor, o setor de celulose e papel apresenta um diferencial diante dos demais setores industriais: suas atividades são totalmente compatíveis aos conceitos de biorrefinaria, facilitando a integração de processos.


SUZANO INVESTE EM FLORESTA ENERGÉTICA
Antenada à ascensão do mercado de biomassa para geração de energia, a Suzano Celulose e Papel amplia o leque de atividades com a criação da Suzano Energia Renovável, anunciada no final de julho último. Com investimentos de aproximadamente US$ 800 milhões, a companhia projeta três unidades produtoras de pellets de madeira no Nordeste brasileiro, cada uma com capacidade de 1 milhão de toneladas e início de operação entre 2013 e 2014.

O manejo das florestas energéticas se baseia na seleção de clones específicos, com maior concentração de lignina; plantio de mais árvores por hectare e ciclo reduzido de colheita (entre dois e três anos). Após o corte das árvores, a madeira é picada, desidratada e prensada, formando os pellets, cujo poder calorífico é maior do que o de cavacos e toras. O método garante alta capacidade produtiva e competitividade de custos.

A produção da Suzano atenderá a empresas europeias que geram energia a partir da queima de combustíveis fósseis e precisam de fontes alternativas, conforme esclarece André Dorf, presidente da Suzano Energia Renovável e diretor executivo de Estratégia, Novos Negócios e Relações com Investidores da Suzano Papel e Celulose. “A Suzano já tem protocolos de intenção de compra de 2,3 milhões de toneladas e está em negociação com outros clientes potenciais”, adianta.

As metas que a União Europeia assumiu até 2020 de reduzir em 20% as emissões de CO2 e fazer com que a matriz energética tenha pelo menos 20% de origem renovável tornam promissora a produção de biomassa para fins energéticos. Em território nacional, o consumo de madeira como fonte de energia também desponta. Dados da FAO indicam que, dos 256 milhões de toneladas de madeira consumidas em 2007, 54% foram direcionados à energia. O cenário atual de florestas plantadas já mostra que a demanda industrial é maior do que a oferta.

Antônio Bellote, líder do projeto Florestas Energéticas, da Embrapa, atribui o crescimento da procura por madeira a três fatores: alto custo de energia não renovável, compromissos governamentais de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e engajamento da população nas causas ambientais. A boa notícia é que o Brasil tem competência exemplar nas técnicas silviculturais e cerca de 50 milhões a 80 milhões de hectares degradados para ser aproveitados. “A gama de oportunidades que a madeira oferece como fonte de energia é enorme. O que precisamos é aumentar a extensão das áreas plantadas”, incentiva Bellote.


 

Caroline Martin
Especial para Revista O Papel